sexta-feira, 29 de junho de 2012

Poética

Poética - Manuel Bandeira

"Estou farto de lirismo comedido
do lirismo bem comportado
do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao senhor diretor.
estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
todas as construções sobretudo as sintaxes  de excepção
todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

estou farto do lirismo namorador
político, raquítico, sifílitico
de todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
de resto não é lirismo
será contabilidade tabela de cosenos secretário
do amante exemplar com cem modelos cartas
e as diferentes maneiras de agradar as mulheres, etc.

quero antes o lirismo dos loucos
o lirismo dos bêbados
o lirismo difícil e pungente dos bêbedos
o lirismo dos clowns de shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Manuel Bandeira

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