por Mino Carta
Não consegui evitar a célebre furtiva lacrima vertida no melodrama e pelos espíritos hipersensíveis. Foi por causa do Estadão de terça 25. Comovido, descobri que o jornal, digno estandarte da mídia nativa, pretende maior eficácia na “fiscalização dos grandes contribuintes” em vez de penalizar “velhinhos e aposentados”. Talvez a escolha não configure surpresa para o grande público da grande imprensa (grande? Talvez caiba mais o adjetivo imenso, no masculino e no feminino). Para mim, é. Sempre me ocorre recordar a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Postei-me na esquina da rua Marconi com a Barão de Itapetininga, centro de São Paulo, e a vi passar enquanto o então governador, Adhemar de Barros, sobrevoava de helicóptero, a dedilhar as contas de um rosário. Deslizavam sobre o asfalto os pés bem calçados dos sócios do Harmonia e do Paulistano, acompanhados por seus fâmulos de pés não tão bem calçados. Vinham depois os sócios de outros clubes menos aristocráticos, a começar pelo Pinheiros, ex-Germânia, traziam domésticas em lugar de mordomos, quituteiras, jardineiros, motoristas, aias. Um ou outro cabeleireiro. Pedicuros, estes podem fazer falta. Os jornalões, a começar pelo Estado de S. Paulo, celebraram então o apoio da classe média à causa da liberdade ameaçada, contra Deus e a família. A deles. Sei da minha ignorância, e a confesso: nunca entendi o conceito de classe média no Brasil, país onde 95% dos cidadãos ganham de 800 reais por mês para baixo. Média no meio do quê? Os amigos economistas, alguns caríssimos, tentam colocar-me na bissetriz correta ao sabor de critérios para mim indevassáveis. Cheguei, às vezes, a meditar a respeito, e agora me arrependo. Na Barão transitavam os privilegiados, os donos do poder. Ou, se quiserem, os grandes contribuintes, que a mídia sempre defendeu por serem da turma. Perlustro, com a inextinguível dificuldade, a mídia nas suas manifestações hodiernas, via editoriais, colunas, artigos, coberturas jornalísticas (jornalísticas?) e leio e ouço a afirmação categórica de que uma rebelião da Receita está em pleno andamento. Depois da grita em torno das últimas do contumaz Sarney, a mídia cria o motim dos fiscais, e o mantém nas manchetes com sofreguidão. Tudo se faz para atapetar de pedras graúdas o caminho do governo, na perspectiva de 2010. A evocação do passado é inevitável. Recordo, porém, o adágio dos pensadores: a história costuma repetir-se como caricatura. Sim, parece até que a mídia está aí a programar uma nova marcha, sem dar-se conta da mudança do cenário, por mais evidente. O pessoal não prima pelo brilhantismo. Vamos aos fatos, como recomenda o verdadeiro jornalismo, este mar que a mídia nativa não navega. Houve é uma alteração mais ou menos profunda nos quadros da Receita. Sem razão alguma para questionar o afastamento de Jorge Rachid um ano atrás pelo ministro Mantega, e a nomeação em seu lugar de Lina Maria Vieira, não cabe agora discutir a demissão da secretária. Trata-se de cargos de confiança, e como tais têm de ser encarados. Se houve tentativa de rebeldia, foi por parte de dona Lina e, no mínimo, enveredou pelo patético. Não extrapola disso a rebelião da Receita. A inconformada protetora de velhinhos e aposentados, eleita a heroína dos eternos defensores dos grandes contribuintes, foi demitida, de fato, por incompetência e forte tendência ao lazer. Não justifica espanto, e assim seria em qualquer latitude, que os apaniguados de dona Lina saíssem com ela. Voltamos, porém, à pauta useira: qualquer pretexto serve para atacar o governo Lula. Sem deixar de falsear informações, manipular, omitir, mentir, todas práticas que distinguem o nosso jornalismo. Há jornalistas e há sabujos, está claro. Desconfio que estes prestem seus serviços aos derradeiros sonhadores de uma nova marcha.
extraído de cartacapital.com.br
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